Paulo Rosa

A felicidade: o preço

Por Paulo Rosa
Médico do SUS, TAO Therapy & Art Organization, Houston, EUA
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Ingênuo, por demasiado tempo acreditei que uma vez estando feliz, restava-me apenas desfrutar, como se fora um estado de graça onde não precisava vigilância e cuidados, mas apenas vivê-lo. Por certo, em paralelo, tinha a noção de que a felicidade se mostra episódica e fugaz, assim como conhecia a visão freudiana contida em O Mal-estar na Civilização, de 1930, de que nos toca viver, no cotidiano, uma “infelicidade comum”, coisa compartilhada por todos, democraticamente. Entendo como realista, e não pessimista, a perspectiva de que em tudo há um componente leve ou moderadamente infeliz, e de que caso nos sintamos eufóricos permanentemente - alerta! - é sinal quase certo de doença, um transtorno dito maníaco, termo de raiz grega, mainesthai, literalmente, estar louco.

Hoje percebo que a felicidade tem seu preço, e é elevado. Tal percepção se construiu ao longo de observações psicanalíticas, onde os analisandos, quando felizes, sistematicamente, referiam um misto de bem-estar e de inquietações, estas, por vezes, não conscientes. Também mostraram, de forma reiterada, algo de surpresa ao perceberem que sua felicidade não era pura paz, mas, pelo contrário, ao lado da alegria estavam desassossegos. Não é à toa que Goethe advertia: “Nada é mais difícil de suportar do que uma série de dias belos”, como registrou Freud no trabalho citado (O.C., vol.18, p.31), embora este contemporize de que pode ser um exagero do romancista.

Mas não estive sozinho em minha ingenuidade. No mais longo estudo de coorte que se conhece, no qual há 80 anos pesquisadores da Universidade Harvard seguem três gerações de famílias norte-americanas, um grupo de mais de 1,3 mil participantes, observaram que a felicidade está associada à amizade entre as pessoas. O estudo está registrado em um livro de 2023, The Good Life, lessons from the world’s longest scientific study of happiness, pela Simon & Schuster, N.York, onde os autores R. Waldinger e M. Schulz relatam detalhes médicos dessas vidas, mas em nenhum momento fazem referência de que estar feliz implica desgaste emocional.

Trago este relato científico sobre a felicidade porque, embora seja um documento consistente, deixa também de fora a questão do custo afetivo de estar feliz. Isto se pode interpretar como tendência humana generalizada. O que entendo como significativo para a prática do viver, é que estejamos muito alertas quando em presença da felicidade, porque, inadvertidamente, inconscientemente, podemos buscar circunstâncias - inclusive acidentes graves - para sairmos da situação de bem-estar. É paradoxal, ainda que humano, que nossa tão buscada felicidade, uma vez alcançada, possa ser sentida como algo intolerável, e tudo façamos para sair dela.

Psicanálise e Filosofia aí estão para mostrar nossos paradoxos. Tenhamos ousadia para poder vê-los, senti-los, vivê-los. Algo que se aprende, para além da família, da escola.

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